Por John Santana*
A animação "Encanto"
tem sido uma verdadeira febre entre a criançada há alguns meses, principalmente
pelas canções que embalam o filme e os dramas vividos pela protagonista,
Mirabel Madrigal. Aliás, é justamente esse sobrenome emblemático, e bem
musical, diga-se de passagem, que, creio eu, fez o filme ter tanto sucesso.
Porém, é exatamente a trilha
que embala a história de Bruno, o mais misterioso de todos os personagens, que
não sai da boca da maioria das crianças fascinadas pela produção – o 60º longa da Disney Animation Studios, com
criação de Jared Bush e Byron Howard (os mesmos de Zootopia) e roteiro assinado
por Bush e Charise Castro Smith.
E quem tem alguma criança
menor de 10 anos na família ou vizinhança, com certeza, em algum momento desses
primeiros meses de 2022, já ouviu o cantarolar de "não falamos do Bruno,
ô, ô, ô, ô". E isso não é exagero.
"Não falamos do
Bruno" ("We Don’t Talk About Bruno", composta por Lin-Manuel
Miranda) fez tanto sucesso com o público infantil que, em fevereiro deste ano,
alcançou o 1º lugar da Billboard 100, a
principal parada musical americana. Algo que, segundo o site Disney Plus
Brasil, não ocorria desde 1993, quando “A Whole New World” (“Um Mundo Ideal”),
do filme Aladdin, conquistou o mundo.
Mas o que há de tão
interessante nessa história, para além do imaginário infantil? Bruno é um dos
filhos da Abuela Alma (uma das personagens centrais e que exerce uma forte
pressão hierárquica para que tudo siga conforme as suas orientações), que foi
exilado da família quando a protagonista Mirabel tinha apenas 5 anos. A história do seu sumiço é um tema proibido
em quase todo o filme e, na verdade, acredito que implica numa problemática
social ainda muito comum em nossos dias. Não aceitamos o diferente.
No filme, todos da família
Madrigal possuem dons específicos, como força, capacidade de controlar o clima,
audição absoluta, poder de curar com comida, se transformar em qualquer pessoa
e, ainda, fazer brotar flores em todos os lugares. Bruno tem a capacidade de
ver o futuro – e por prever que coisas ruins vão acontecer, é obrigado a se
manter escondido. Condenado ao
ostracismo.
Contudo, no decorrer das
cenas, o que se percebe é o extremo sofrimento dele por não ser aceito no
núcleo familiar. Não poder usufruir de uma simples refeição com todos à mesa. E
tudo que ele sempre quis foi ajudar. Sendo quem ele é.
Bruno vive escondido.
Sobrevivendo, secretamente, entre as paredes da casa. Observando, por frestas
de portas e janelas, o cotidiano daqueles que ele tanto ama, mas que, por ser
quem é, não pode desfrutar do convívio. E o pior: nem seu nome pode ser citado.
Outras personagens também
passam por alguns momentos de negação dos demais quando fracassam, de alguma
forma, com seus dons. Por que, em toda a história, o que se percebe é a
associação do querer bem quando há prestação de serviço. Deixou de exercê-lo,
já não é tão importante assim.
Contudo, Bruno sofre as
consequências por ser e expor a verdade. Ele poderia ter as previsões e sensações
e se calar. No entanto, num desejo impetuoso de alertar as pessoas sobre
determinadas situações, ele se posiciona e expõe os fatos. E isso não é visto
com bons olhos. Nunca é. Muito pelo contrário.
Bruno vive à sombra de todos. Escondido.
Num total isolamento. Alimenta-se dos restos que a família sobeja. Suas únicas
companhias são os ratos. Enquanto a família reúne toda a sociedade em grandes
celebrações, ele assiste tudo à distância. Sem ninguém. Seu desejo de estar com
o seu sangue é tanto que ele até desenha um complemento da grande mesa da cozinha
familiar em seu calabouço. Tudo para ser, de alguma forma, pertencente. Mas ele
não é.
E sabe o que é mais
interessante? Tudo que Bruno previu, acontece. E é exatamente com ajuda do
trabalho dele, pela única atitude de confiança recebida em anos, que o
recomeço, pós-catástrofe, também vem.
A obra, embora de ficção, se
assemelha a muitas questões sociais. Quantos rejeitamos por ser quem são?
Quantos, que buscam incessantemente contribuir ou até nos alertar sobre algo,
sujeitamos ao esquecimento? Quantos nós, sociedade, empurramos à exclusão?
Quantos, por não seguir uma "linha padrão", são ignorados? Quantos,
por serem diferentes daquilo que entendemos como "correto" ou
"ideal", são massacrados e subjulgados? Muitos. Milhares.
E à nossa volta? De quantos
Brunos deixamos de falar? Quantos de nós, em algum momento ou situação, já
fomos um pouco "Bruno" também? Quantas vezes você se viu em um lugar
de rejeição e solidão por uma atitude honesta (consigo e com os demais) que
tomou? O quanto a sua verdade já provocou o distanciamento de muitos?
A história de Bruno, apesar de
se tratar de uma obra de audiovisual ficcional, diz muito sobre a importância
de ouvir o outro. De nos tirar de uma posição egocêntrica e olhar para o
próximo com igualdade. Da inclusão de todas as pessoas. Não importa de quem são
(ou de como enxergam o mundo).
Ela fala sobre a necessidade
de aceitação. De acolhimento. Dos braços estendidos e colo que acolhe. De olhar
as diferenças e entender que é possível conviver com elas. Mas, acima de tudo,
ela fala sobre aceitação – e de como a rejeição, ausência de diálogo e
silenciamento podem destruir o emocional de alguém.
E com saúde mental não se
brinca.
**John Santana é jornalista,
pesquisador de gênero e sexualidade e idealizador do portal Sergipe de Hoje
***As opiniões expressas nesse artigo são de responsabilidade de seus respectivos autores e não expressam, necessariamente, a opinião do Portal Sergipe De Hoje.