Aluna do curso de Design Gráfico recebeu e-mails e comunicados com nome e gênero não condizentes à sua identidade
Brunna Nunes tem 25 anos e um
sonho: ingressar no ensino superior em uma universidade pública. Por muitos
anos, a jovem dedicou seus estudos a este objetivo e, finalmente, alcançou em
2022, após ter sido aprovada na lista de espera da Universidade Federal de
Sergipe (UFS), para o curso de Design Gráfico. Radiante com a conquista, ela
não titubeou em organizar toda a documentação necessária para a matrícula e,
assim, dar os primeiros passos rumo à graduação.
Porém, mal ela sabia que um
simples procedimento, que é padrão para todos os estudantes, ia transformar seus
dias em "um verdadeiro inferno". Tudo começou, segundo ela, quando anexou os
documentos exigidos e, mesmo com a retificação de nome e gênero, recebeu uma
ligação de uma representante do Departamento de Administração Acadêmica (DAA) questionando
um possível conflito de informação nos dados apresentados. “Cerca de meia hora
após ter anexado todos os documentos, recebi uma ligação de uma pessoa do setor
solicitando meus documentos antigos, pois poderia perder minha vaga, porque no
sistema estava contando meu nome antigo. Eu expliquei para ela que não fazia
sentido isso porque, na lista de espera, saiu meu nome retificado e que os
documentos que eu enviei eram com meu nome retificado, então não fazia sentido
eu perder essa vaga e nem ela estar me cobrando documentos antigos, pois,
quando a gente retifica, a gente devolve o antigo”, explica.
A estudante conta que, assim que passou essa informação, a responsável desligou a ligação e informou que iria verificar. “Depois ela retornou e solicitou que eu enviasse um e-mail para fazer a atualização no sistema e foi o que eu fiz. Acontece que, a partir de então, comecei a receber vários e-mails do SIGAA com meu nome antigo e, mesmo após protocolar o requerimento, também comecei a receber vários e-mails com o nome se referindo a mim no masculino, mesmo eu explicando que já era retificada e mandando meus documentos e falando da movimentação do processo”, acrescenta.
No último dia 12, após receber mais um e-mail com o uso do nome e gênero masculinos, Brunna conta que foi à Universidade tentar resolver pessoalmente a situação. “Quando fui pegar o comprovante de inscrição novamente, ele estava no masculino, sendo que, no dia 5, estava no feminino. Então, fiquei pensando: se era um erro no sistema, por que foi alterado depois? Depois dessa ligação que foi questionado tudo? Até no site do SIGAA, que estava tudo correto, já não estava mais. Havia modificado para o nome antigo. Então, levei o comprovante de inscrição do dia 5 e levei o comprovante de inscrição que depois dessa ligação tinha sido alterado. Chegando lá, me disseram que era um erro do sistema do INEP, por que o INEP estava desatualizado, por que eu fiz o ENEM em 2015 e que, no sistema, constava que o meu nome estava no masculino”, disse.
“Só que, em 2020, quando eu fui fazer o cadastro para fazer o ENEM 2020 e vi que o sistema do INEP estava desatualizado, entrei em contato com o MEC e o INEP para fazer a atualização para poder fazer a prova em 2020 e, mesmo o sistema do MEC e do INEP estando desatualizados, eles mandaram o mesmo e-mail automático com o meu nome retificado, mesmo eles sabendo que, no sistema, estava errado eles colocaram ‘Prezada Bruna’, uma coisa que a UFS não teve sensibilidade”, complementa.
Ainda de acordo com a
estudante, depois de todo esse desgaste, solicitaram a ela o número do processo
do requerimento e, logo em seguida, fizeram a atualização no sistema. “Fiquei
muito chateada com isso, porque eu fiz o requerimento no dia 7. Se era tão
simples assim, por que eles não atualizaram antes? E por que enviaram esses
e-mails? Enfim, fui pra casa tranquila porque no SIGAA estava tudo corrigido.
Mas isso foi no dia 12. Quando foi no dia 18, última segunda-feira, recebi mais
uma mensagem do processo se referindo a mim no masculino novamente”, denuncia.
Com toda essa situação e
constrangimento passados, Brunna confessa que, por alguns momentos, pensou em
não seguir em frente com os estudos. “Pensei em desistir, mas como o pessoal me
apoiou para eu não desistir, para eu correr atrás, para eu não me calar, então
fui lá e falei, mas é uma sensação de, sei lá...Fico nervosa só de lembrar como
ocorreu isso. Se o comprovante estava ok, os documentos ok, a inscrição ok, por
que enviar e-mails me tratando no masculino? Alegar que era um problema com o
INEP? Isso não bate. É tao cansativo. Tenho processo do INEP, pois fiz o pedido
em 2020, e o MEC autorizou. Por que dizer isso agora?”, questiona.
“Não é erro de sistema, isso é
alteração. Por que, se fosse erro de sistema, saía na lista de espera o nome
antigo. Se fosse erro de sistema, nunca ia ter um comprovante de inscrição com
meu nome correto para, depois, alterar para o errado”, acredita.
UFS
A respeito dos fatos
envolvendo a estudante, a Universidade Federal de Sergipe (UFS) justificou que a
“situação com o nome da candidata já foi resolvida, conforme despacho enviado
no dia 18/04, às 08h39, cinco dias úteis da abertura, por parte da candidata,
do processo administrativo n° 23113.015029/2022-22 e enviado para a Divisão de
Controle Acadêmico (DICAC) para providenciar a alteração do nome no sistema”.
No entanto, a instituição
alegou que a jovem já possuiu um vínculo anterior, referente ao processo
seletivo de 2015, em que ela “ainda havia se matriculado com o nome civil e,
portanto, referente ao gênero masculino”. “Dessa maneira, a UFS explica que,
quando foi feita a matrícula com o novo vínculo, com o nome social, o “sistema
reconheceu o anterior pelo CPF, e, ao enviar as notificações, se referia a ela
pelo nome do vínculo anterior”. “Diante disso, à medida que cada setor
avaliasse a documentação apresentada e o status do atendimento fosse alterado,
o sistema enviaria um e-mail de maneira automática para a candidata, com o
intuito de notificá-la e atualizá-la de cada procedimento realizado, de modo
que houvesse um acompanhamento em tempo real. Com isso, foram enviados seis
e-mails, referentes às análises do DAA, análises da comprovação de renda e
análise relativa à banca de heteroidentificação”, explica.
Contudo, devido a toda situação
vivida pela estudante, a UFS admite o erro, mas alega prezar pelo respeito a
todos. “É importante destacar que a universidade preza pelo respeito aos
Direitos Humanos, à pluralidade e à dignidade humana em todos os seus atos,
partindo de políticas de inclusão, inclusive com regulamentação do uso do nome
social de travestis e transexuais no âmbito da instituição (Portarias nº
2209/2013 e 679/2018)”, finaliza.
|Por John Santana/Da equipe De
Hoje
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