Por Profa. Dra. Jussara Maria Moreno Jacintho*
Nunca uma situação política e
uma defesa de uma posição política contrária à Universidade Pública ficou tão
clara quanto a do Prof. Valter Joviniano, atual Reitor da única Universidade
Pública de Sergipe, ao participar da recente campanha publicitária feita pela
Universidade Tiradentes, maior Instituição de Ensino Superior privada do
Estado, tecendo loas à sua competência e às inúmeras oportunidades de pesquisa
de que desfrutou quando foi estudante da Instituição.
Esse texto não tem como
objetivo questionar os méritos da Unit, que todos reconhecemos e por cujo
sucesso a congratulamos também. Trata-se de perguntar ao Reitor se ele sequer
cogitou ser inadequada a sua participação na propaganda, pois, afinal, ele é o
maior representante da Instituição, gerencia o terceiro maior orçamento do
Estado e, por último, é professor da Instituição, à qual está vinculado acima
de tudo por deveres funcionais, dentre os quais o de lealdade à Instituição,
previsto no art. 116, II, da Lei n° 8112/1990. Como qualquer agente público,
está vinculado também aos princípios orientadores da Administração Pública
nominados no art. 37 da Constituição Federal. Quando o gestor máximo de uma
Instituição Pública demonstra publicamente ter especial afinidade com uma
Instituição privada, o princípio da impessoalidade está sendo prestigiado?
Por falar em prestígio, é
justamente isso que se busca com a utilização da imagem de uma pessoa em uma
campanha publicitária. É natural que cada ente privado busque seu sucesso
comercial, mas não é normal que um agente público utilize o prestígio de seu
cargo para contribuir com esse objetivo. Estando no exercício do cargo, a
imagem pública do Prof. Valter Jovino não pode ser dissociada da Universidade
Federal de Sergipe, sobretudo, quando se apresenta perante a sociedade para
tratar de temas educacionais. Ao ceder a imagem para a campanha publicitária,
obviamente, emprestou também o seu currículo, cujo feito mais vistoso é ser
Reitor da UFS.
Sabemos todos que o desgoverno
atual tem como uma das suas pautas o esvaziamento do orçamento público das
Universidades Federais, o que já foi tentado na gestão do ex-Ministro
Weintraub, em que foi dado início ao projeto de desfazimento das políticas
públicas educacionais depois levado ao extremo por seu sucessor. Apesar de o
projeto future-se ter sido derrotado por todas as Instituições Federais, com
muitas lutas internas, o desgoverno continua na sua luta para acabar com as
Universidades Públicas. Aliás, quem acompanha o que se passa no MEC e em seus
órgãos que tratam da educação superior e produção da ciência no país, sabe que
o atual Presidente tem tido sucesso no seu intento, tal o grau de desmonte da
política pública anterior e a ineficiência instalada.
A disputa intestina, sabemos
(quase) todos, é pelo naco orçamentário destinado à educação superior, em
constante disputa com o mundo corporativo que vende a mercadoria educação de
nível superior. A disputa é ideológica (como tudo no mundo desde que o mundo é
mundo) e se dá entre uma perspectiva especialmente intransigente do
neoliberalismo (tudo ao mercado) e uma larga parcela da sociedade que acredita
no papel do Estado como regulador das relações socioeconômicas sob pena de, ao
não fazermos a defesa do Estado, o darwinismo social se estabelecer sem dó. A
intransigência do neoliberalismo em reconhecer a necessidade de atuação estatal
é particularmente pronunciada quando se fala em educação, aceita-se apenas a
formação básica da mão-de- obra pelo Estado. Dito de maneira breve, a Educação
Superior Pública no Brasil vive uma disputa orçamentária entre o rentismo e o
investimento (e não gasto público) do Estado na área, porque esta, afinal, é
estratégica para um projeto de nação independente e soberana.
Considerando esse quadro, soa
estranhíssimo que um Reitor de Instituição Pública de Ensino Superior – o qual,
é verdade, assumiu o cargo sem ter participado da consulta à comunidade
universitária, mas, ainda assim, foi nomeado pelo atual Chefe do Executivo –
participe da campanha publicitária de uma universidade privada sem que isso
configure um convite à reflexão sobre os limites impostos pelos princípios que
informam a Administração Pública e pela legislação que rege a categoria de
servidor público federal.
Que o desavisado diga que não
conhece as disputas que envolvem a Educação Superior no Brasil é aceitável,
normal até. Mas um Reitor nomeado se colocar na posição de garoto propaganda da
Educação Privada Superior não é fato que passe desapercebido. O estrago não é
apenas simbólico, é efetivo, ao mesmo tempo que revelador, porquanto tira do
terreno das ambivalências o projeto em execução.
**Jussara Maria Moreno Jacintho é doutora em Direito Constitucional, pela PUC/SP (2003), mestre em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1996), especialização em Direito Civil pela FGV/RJ, e é graduada em Direito pela Universidade Federal de Sergipe (1988). Atualmente é professora associada de Direito Constitucional e de Direito Urbanístico do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe. É professora do Mestrado em Direito da UFS, assim como do mestrado profissional em Administração Pública - Rede Profiap. Tem experiência na área de Direito do Estado, com ênfase em Direitos Fundamentais, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito Constitucional; Direito Administrativo, Urbanístico e Tributário. Tem também atuação na área de orçamento público.
|Foto 1: Jadilson Simões/Alese
|Foto 2: Divulgação/Arquivo
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