Eles estão há mais de um mês na Praça Maria Quitéria, no 18 do Forte, cobrando intervenção federal nas eleições e desafiando as autoridades sergipanas; diferentemente de outras ocupações ligadas a movimentos sociais, poder público segue em silêncio e sem qualquer atuação
Já são 36 dias. Este é o tempo
que um grupo de manifestantes ocupa a praça Maria Quitéria, em frente ao 28º
Batalhão de Caçadores (28BC), localizado no bairro 18 do Forte, em Aracaju. O
ato começou a ser organizado no dia 31 de outubro, logo após a vitória de Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições. Desde então, cerca de
100 pessoas estão, ininterruptamente, pedindo intervenção federal no resultado
das urnas e exigindo recontagem dos votos. Porém, este número tem certa
alternância a depender das atividades desenvolvidas no local.
No local do acampamento, é
possível constatar a presença de dezenas de barracas, refeitório, mesa de som,
espaço para guardar mantimentos e alimentação (que chegam por doações
diariamente) e banheiros químicos espalhados em pontos estratégicos da praça. E
faixas. Muitas faixas cobrando uma ação das forças armadas em “favor do povo
brasileiro”. Nem as fortes chuvas que caíram na capital nas últimas semanas fez com que os ocupantes da praça se retirassem do local. Muito pelo contrário.
Segundo difundido nas redes
sociais, num perfil na rede social Instagram intitulado “Conservadores de
Sergipe” (https://instagram.com/conservadores_sergipe?igshid=YWJhMjlhZTc=), os
manifestantes acreditam que houve fraude nos resultados – fator já negado, por
diversos estudos e perícias aprofundadas que atestam a segurança e eficiência
das urnas eletrônicas utilizadas nos processos eleitorais do Brasil. Contudo,
ainda assim, eles alegam ilegalidade no resultado.
Não bastasse toda a
contradição no discurso que embasa o ato, diversos relatos de moradores indicam
supostas ações contra os moradores do entorno que questionam a continuidade do
acampamento na praça (que é administrada e mantida pela Prefeitura Municipal de
Aracaju). Em um dos casos, de acordo com uma fonte que, por temer retaliação,
pediu para não ser identificada, alguns manifestantes “têm ameaçado moradores e
hostilizado quem reclama do barulho que fazem o dia todo”.
Nas últimas semanas, também foi
identificado um grande volume de sacos de areia na parte central da praça. Esse
material, conforme informações de moradores da região, seria usado para a construção
de uma barricada de proteção no entorno do acampamento. Após denúncia da
população, os sacos foram retirados do local.
“Eles já furaram pneus dos
carros de alguns moradores, porque os carros estavam fora das garagens e eles
queriam colocar mais carro na rua para fazer volume. Tem gente que não está
saindo de casa há algum tempo, porque a situação está causando medo. Ficam o
dia todo cantando hinos cívicos e fazendo marchas pelas ruas e quem encarar,
eles acham que são de esquerda e começam a falar indiretas bem alto”,
denunciou.
Além deste caso, na rede
social Twitter, dezenas de outros depoimentos semelhantes estão sendo
publicados há semanas. “Somos moradores do bairro 18 do Forte e estamos
sofrendo com as transgressões dos que estão acampando em frente ao quartel do
exército. Semana passada tivemos moradores impedidos de entrar em ruas do
arredor (sic) da praça e esse final de semana tivemos nossos pneus furados”,
revelou um internauta.
“Até quando nós iremos sofrer
com isso? A polícia militar diz que não é caso para eles, a SMTT diz que não
pode fazer nada além de ter seus próprios funcionários participando do
acampamento. Independente do cunho político que o acampamento tenha, nós
estamos incomodados por termos nossos direitos transgredidos, nossa paz
retirada por pessoas que, em maioria, sequer residem na região e que não
respeitam os moradores”, acrescentou.
Hidrante furado
Na última segunda-feira, dia
28, moradores também denunciaram que os manifestantes furaram um terminal
hidráulico com registro, popularmente conhecido como hidrante, que fica na
praça. O equipamento em questão consiste em um acesso há uma conexão com a rede
pública de água, sendo utilizado como uma fonte de abastecimento para ações do
Corpo de Bombeiros durante acidentes e emergências que necessitem desse fluído
para ser controlado.
O equipamento, embora tenha a
finalidade de prestar um serviço público e essencial à uma ação emergencial de
brigadistas, é de responsabilidade da Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso)
que detém o controle para a liberação do fluxo de água, através da comunicação
entre ambos os órgãos estaduais.
“É absurda a isenção das
autoridades, quando o risco é um atentado contra a vida democrática do país e
as consequências vão para os mais pobres. Os ricos se beneficiam sempre.
Regimes autoritários não salvam vidas! Executam a morte! Se eu fizesse um gato,
já estaria presa”, escreveu em suas redes sociais a professora Sônia Meire, que
vai assumir mandato de vereadora pelo PSOL, no lugar da deputada estadual
eleita, Linda Brasil (PSOL), a partir de 2023.
“Aí eu pergunto: será mesmo
que se fosse um pobre que sequer chega água em casa e paga a conta (que vem
mais certo que a morte) a empresa Deso teria esses olhos fechados?! Acho que
não, hein?”, questionou outra internauta.
No entanto, no caso envolvendo
os manifestantes da Praça Maria Quitéria, procurada pela nossa equipe de
reportagem, a assessoria de comunicação da estatal afirmou que “não confirma a
informação”, embora tenha se apresentado imagens comprovando o ato ilícito.
MPF e Polícia Federal
Após negativa da Deso, também
procuramos as assessorias de comunicação do Ministério Público Federal e da
Polícia Federal em Sergipe, tendo em vista que o furto de água é crime,
conforme artigo 155 do Código Penal, para levantar informações sobre quais
ações estão sendo tomadas.
Em nota, o MPF disse que, no
dia 23 de novembro, requisitou a “instauração de inquérito da Polícia Federal
neste caso do movimento em frente ao 28º Batalhão de Caçadores”. “Dessa forma,
a instituição aguarda a conclusão da investigação policial para adotar as
medidas cabíveis”, informou.
A assessoria de comunicação da
PF, no entanto, não nos deu retorno até o fechamento desta reportagem.
“Quem financia os atos?”
Em concordância à informação
passada pelo MPF, a deputada estadual eleita, Linda Brasil (PSOL), diz que
cobra, desde o dia 21 de novembro, aos órgãos fiscalizadores informações sobre
“quem está financiando os atos”. De acordo com a parlamentar é preciso que “as
instituições lutem pra defender a democracia”.
“Atendendo representação coletiva de nossa mandata (sic) e outras
entidades, o Ministério Público em Sergipe abriu procedimento extrajudicial
para apurar quem financia e participa dos atos antidemocráticos em Aracaju, no
28 BC. Espero que as instituições lutem pra defender a democracia!”, afirmou.
“Precisamos saber quem está
por trás desses atos criminosos e que sejam punidos no rigor da lei! Importante
reforçar sempre que essa representação assinada por nossa mandata (sic) é
coletiva, e foi denunciada pela Associação Brasileira de Juristas pela
Democracia (ABJD)”, completou.
Governo do Estado e Prefeitura
de Aracaju
No dia 29 de novembro, o
portal Sergipe de Hoje também procurou o Governo do Estado e a Prefeitura de
Aracaju para levantar informações sobre como os dois poderes executivos têm
observado a continuidade do ato.
Nossa equipe apresentou os
seguintes questionamentos:
“Os manifestantes pedem
intervenção federal nas eleições. Mas, para além da pauta federal, diversas
denúncias envolvendo hostilização de moradores, incômodo por questões do
barulho constante e impedimento no fluxo de trânsito no entorno têm surgido
constantemente. Entre os fatos graves mais recentes, estão a construção de um
muro/barricada no entorno da praça e um “gato” em um hidrante da Deso, que está
sendo usado para fornecer, ilegalmente, água para os manifestantes.
Diante disso, buscamos saber:
Quais medidas estão sendo
tomadas em relação a essas questões acima pontuadas?
Quais órgãos estão agindo e em
quais esferas?
A população tem questionado
sobre a falta de atuação do poder público neste sentido, principalmente porque
em episódios envolvendo ocupações de movimentos sociais, as ações foram mais
enérgicas, inclusive com uso de força de segurança. Por que não agem nesse
caso, também?
Quais canais de atendimento
são disponibilizados para a população fazer denúncias dessa natureza?”
A Superintendência Especial de
Comunicação Social (Supec), porta-voz do Governo de Sergipe, limitou-se a
responder apenas sobre o caso envolvendo a perfuração do hidrante da Deso e
furto de água. Segundo nota encaminhada ao Portal Sergipe de Hoje, a "Deso
teve acesso a fotos e vídeos que circulam nas redes sociais e iniciou um
processo de apuração". "Caso comprovado os danos, os responsáveis
serão identificados e responsabilizados", resumiu.
A Prefeitura de Aracaju, por sua vez, A Prefeitura de Aracaju, por sua vez, contrariando as informações relatadas em seu próprio site institucional que indicam ações de manutenção da Empresa Municipal de Serviços Urbanos (Emsurb) na localidade, inclusive com uma série de serviços realizados no mês de setembro deste ano, conforme divulgado neste link (https://www.aracaju.se.gov.br/noticias/97053/aviso_servicos_da_emsurb_nesta_segunda-feira,_12.html) revelou, na tarde desta segunda-feira, 05, que a área ocupada é de “responsabilidade do Exército Brasileiro”.
“A Superintendência Municipal
de Transportes e Trânsito orienta a população a ligar para o 118 em casos de
obstrução irregular de via pública. Para
denunciar casos de depredação do patrimônio público, a Guarda Municipal de
Aracaju deve ser acionada pelo 153 (ligação gratuita), ou via WhatsApp, pelo
98166-7790”, disse a Prefeitura.
Sendo assim, fica o
questionamento: há quem interessa manter a continuidade do acampamento em
frente ao 28BC!?
|Por John Santana/Da equipe De
Hoje
||Fotos e vídeos:
Reprodução/Redes Sociais
Obs.: Matéria atualizada às 18h37 desta segunda-feira, 05, após envio do posicionamento da Prefeitura de Aracaju.