Assessoria LGBTQIA+ da Prefeitura de Aracaju auxilia público durante processo de retificação documental
“Agora, não terei mais
vergonha de ser chamada por um nome que não é meu”. A frase foi dita por Layra
Renata, de 20 anos. Ela é uma das mais de 300 pessoas trans ou travestis que
retificaram seus nomes, em Aracaju, e, hoje, aguardam a chegada dos novos
documentos, com o nome fazendo jus à foto em destaque.
No ano de 2018, o Supremo
Tribunal Federal (STF) reconheceu que pessoas trans ou travestis podem alterar
seu nome e sexo no registro civil sem que se submetam à cirurgia. Na decisão,
foi invocado o princípio à dignidade humana e reforçado que todo cidadão e toda
cidadã têm direito de escolher a forma como quer ser chamado ou chamada. Hoje,
mesmo com os desafios ainda existentes, pessoas trans ou travestis podem
definir por qual nome marcarão sua trajetória na sociedade e no mundo.
Em Aracaju, a Prefeitura,
através da Secretaria Municipal da Assistência Social, assegura todo o suporte
a esse público, que pode contar com a Assessoria LGBTQIA+ em todo o processo de
retificação de nome e gênero. E foi com esse apoio que Layra percorreu os
caminhos para ter o tão sonhado documento reafirmando quem ela, de fato, é e
sempre foi.
“Eu tinha 15 anos quando abri
meu guarda-roupa e não me via naquelas roupas. Esperei um ano e, aos 16, contei
à minha mãe, convicta de quem eu sou. Expliquei a ela todo o processo que eu
iria passar para eu poder me transformar, por fora, no que eu já era por
dentro. Minha mãe foi essencial pra eu ser quem eu sou. Foi ela quem me ajudou
no processo de transição, quem me ajudou a chegar à Assessoria para retificar
meu nome, foi ela quem me incentivou. Quando íamos a consultórios médicos,
minha mãe era quem explicava que eu sou Layra. Graças a ela, tive coragem para
dizer para todo mundo quem realmente eu sou”, conta Layra.
Para Layra, é importante poder
contar com o poder público nesse processo, mas, ter apoio dentro de casa é
essencial. “Porque, quando se tem isso
em casa, a gente não liga para o que tem fora, a gente sabe pra onde voltar”.
Há dois meses, a jovem
desistiu de um emprego porque não se viu no crachá.
“Eu ia trabalhar com o
público. Recebi a farda e o crachá. Neste crachá, estava a minha foto com a
minha aparência feminina, mas o meu nome masculino. Quando eu vi, disse ‘não
vai rolar’. Eu não aceitei isso. Desisti do emprego por algo maior, a minha
identidade”, conta Layra.
Na escola onde estuda, o
desafio ainda é grande. “Uma das professoras não quer colocar o meu nome
feminino na chamada e eu já pedi várias vezes. É o meu direito e dever da
escola aceitar o meu nome social. Agora, terei meus documentos. Nós, meninas
trans, somos pessoas comuns. Não é o fato de sermos trans que somos pessoas diferentes.
Temos sangue correndo pelas veias, sentimos dor, temos sentimentos. Temos que
ser respeitadas por quem somos. Sou Layra e é assim que quero ser chamada”,
frisa.
Basta
“Eu era espancada todos os
dias, em casa, por meu pai. Na minha família, muitos falam que me aceitam, mas,
no dia a dia, eu vejo que não. Até hoje meu pai não me aceita e só me chama
pelo nome de batismo. Muitas vezes já gritou dizendo que não sou mulher, que
isso é coisa de ‘marica’. Quando se tem o preconceito de fora e ainda não é
aceita pela família, fica ainda mais difícil seguir em frente, mas estou
seguindo. Ou eu ficava lá ou saia para enfrentar o mundo. Decidi enfrentar o
mundo. Saí de casa aos 15 anos. Sou a minha própria fortaleza. Eu caio, eu
levanto, e crio as minhas forças para levantar. Sou eu mesma quem me abraço e
sigo”, revela Laura Antoniele Macêdo dos Santos, hoje, com 23 anos, casada e
independente.
Ela conta que, desde criança
já tinha interesse pelo universo feminino e, com o passar do tempo, foi
entendendo quem era e até chegou a não se aceitar, por um momento.
“Olhava no espelho, via que
não queria ser aquilo, mas o medo ainda falava mais alto, o medo de como eu
seria vista pela sociedade. Um dia, deu o clique e eu sabia que eu não queria
mais ser o que eu não era. Nos meus 15 anos, optei por não viver mais
escondida”, conta Laura ao fazer um apanhado do passado. “Já cheguei a ser
chamada num posto de saúde e, na época, não era retificada, mas já era uma
mulher. Pedi para ser chamada por Laura e tinha a recomendação no meu
prontuário e, ainda assim, a atendente do posto me chamou pelo nome de batismo
por três vezes. Aquilo foi um grande constrangimento. Não queria mais passar
por aquilo”, relembra.
Para Laura, a retificação de
nome e gênero ajudou a compreender o seu lugar no mundo, “pois o temos. É uma
satisfação muito grande ter o nome retificado e ser reconhecida pelo que você
é”.
Sonho
“Um dia, antes de retificar
meu nome, sonhei que meu pai me chamava por Vitória e achei que aquilo fosse um
sinal, algo que me dizia pra não desistir. É uma conquista, tira um peso. Agora
eu posso chegar e dizer que Vitória é o meu nome. Alguns professores ainda me
chamam pelo nome de batismo, agora, eu vou ter o meu nome no documento. É muito
bom saber que existem serviços que nos acolhem e, principalmente, que tem gente
da família que acolhem. Meu nome remete a essa conquista, no entanto, ser
reconhecida pelo nome é o básico”, afirma Vitória Santos Oliveira, de 23 anos.
Estudante de Ciências Sociais
pela Universidade Federal de Sergipe (UFS),Vitória chegou a trancar o curso por
conta do processo de transição e também por sentir os efeitos da pandemia.
Hoje, ela se enxerga no mundo.
“Em 2019, me percebi diferente
do que via no espelho e foi graças à convivência com outras amigas trans que
passei a me questionar. Sempre fui muito feminina e, muitas vezes, me olhava no
espelho e não me sentia bem, não gostava do que via. Um dia, chegaram pra mim:
‘e se você for trans?’, e eu ‘será?’. Comecei a pesquisar, procurar referências
e comecei a me identificar. Sabia que eu não era sis, eu não gostava do que
via, não me sentia confortável. Quando a gente é mais nova, a gente não
entende. Com o tempo, vamos compreendendo como a gente se identifica no mundo”,
relata Vitória.
No processo, ela lembra que
ainda hoje não é fácil impor sua existência, até mesmo dentro de casa, mas a
retificação do nome foi um divisor de águas.
“Busquei como fazer a
transição, os tratamentos, enfim, e, em seguida, me dei conta de que precisava
falar com a minha família. A gente passa por esse processo de conversar com a
família duas vezes, pelo menos: quando a gente acha que é uma coisa e quando
percebe que não é isso, e sim, uma menina. Meu pai, até hoje, não aceita, não
me reconhece como Vitória. Minha mãe é mais tranquila, mãe é mãe, ela me pariu,
me ama do mesmo jeito. Tenho uma irmã mais velha e sobrinhos que me chamam de
Vitória e isso é muito bom porque existem outras Vitórias que não sabem o que é
isso. Ter meu nome nos meus documentos me abre os horizontes e me fortalece
para o que ainda quero buscar”, desabafa.
Assessoria
Parte da Diretoria dos
Direitos Humanos (DDH) da Secretaria Municipal da Assistência Social, a
Assessoria LGBTQIA+ já auxiliou a retificação de nome e gênero de mais de 300
pessoas trans ou travestis.
Para o assessor técnico de
assuntos LGBTQIA+, Marcelo Lima, a procura pelo acompanhamento representa a
efetividade do serviço, mas vai além. “Não é um processo simples. Retificação
de nome e gênero mexe com toda a vida da pessoa, mexe com o como a pessoa se vê
e como ela se construiu. A sociedade foi formada fazendo um resumo de gênero em
vagina ou pênis, e não é. Gênero é como você se construiu ao longo de sua vida.
Ainda hoje, há dificuldade de entendimento na questão de retificação de nome e
gênero, com muita burocracia, mas o que move é garantir a dignidade humana”.
De acordo com ele, cada pessoa
é acompanhada lado a lado “porque existem muitos processos para dar conta e,
por isso, sempre estamos ao lado. Nosso setor cumpre um papel fundamental na
inclusão social, acesso à cidadania e garantia de direitos às políticas
públicas, pois o serviço também é procurado por pessoas de outros municípios”,
acrescenta.
O assessor técnico frisa que
ainda há um longo caminho a ser percorrido, sobretudo com relação à quebra de
preconceitos que envolve a luta contra a transfobia, no entanto, a
possibilidade da mudança de nome e gênero é um ponto a se comemorar.
“Essas pessoas voltam pro
espaço social com o seu nome, aquele com o qual se identificam e se colocam no
mundo. Eleva a autoestima, eleva a vontade de buscar seus direitos e cobrar o
cumprimento deles. E, na verdade, não é só o nome. Envolve, por exemplo, a
segurança da pessoa. As mulheres trans podem ser protegidas pela Lei Maria da
Penha porque, oficialmente, são mulheres. Envolve a empregabilidade, envolve
dignidade, entre outros fatores essenciais para a vida”, completa Marcelo.
Onde encontrar?
Para ter acesso a informações,
dar início ao processo de retificação de nome e gênero e acessar outras
políticas públicas basta comparecer na Assessoria LGBTQIA+, situada no prédio
da Estação Cidadania, na rua Pacatuba, 64, Centro, das 8h às 13h, ou pelo
telefone (79) 99123-1555.
Denúncia
Ao sofrer transfobia, atitudes
discriminatórias contra pessoas transgênero, as denúncias podem ser feitas para
a Delegacia de Atendimento a Crimes Homofóbicos, Racismo e Intolerância
Religiosa (Dachri), vinculada ao Departamento de Atendimento a Grupos
Vulneráveis (DAGV), pelo número (79) 3205-9400, ou na Assessoria LGBTQIA+,
também pelo (79) 99123-1555.
|Fonte: Assessoria de
Comunicação
||Fotos: Sérgio Silva/Secom